quarta-feira, 4 de julho de 2012

Quatro euros não chegam

Gosto de medicina mas o lado que mais me atrai nessa área para além de toda a complexidade da ciência em questão, é o humanismo de que os médicos e enfermeiros são capazes. Simplesmente porque acho que é louvável e essencial que assim seja. Quando vou ao médico gosto de saber os pormenores todos do que tenho, faço perguntas, analiso minuciosamente os dados das análises clinicas, sei que a creatinina esta relacionada com o funcionamento dos rins e esse dado é aquele que procuro em primeiro lugar devido ao meu "problema" de saúde. Gosto que os médicos falem comigo e me olhem nos olhos e é por isso que vou ao Dr. Oliveira Costa, antigo médico de medicina interna do IPO, já reformado, mas ainda a dar consultas no seu consultório. Por vezes saio de lá às dez da noite - ele ouve-me, responde-me, aconselha-me, e claro, faz uma consulta como deve ser. Não saio de lá curada mas sinto-me melhor interiormente. 

Aos dezoito anos entrei em enfermagem, um bocadinho influenciada pelos meus pais mas também por gostar desta área - a medicina. Quando fui à faculdade e comecei a ler os planos de curso nas paredes, tive medo e entrei em pânico. Disse para mim mesma que nunca seria capaz; cheguei a casa, menti aos meus pais e disse que não tinha entrado.
(shame on me) 
Talvez gostasse de ter sido enfermeira, mas hoje ainda acho que nunca seria capaz.

Mais tarde fui voluntária na Pediatria do IPO e vivi uma realidade da qual nunca me tinha apercebido. Médicos e enfermeiros nem sempre mostram o que lhes vai na alma e na altura, embora questionasse se aquela forma de estar seria a mais correta, apercebi-me que tinha mesmo de ser assim ou nunca conseguiriam manter a sanidade mental necessária para acompanhar doentes tão especiais como são as crianças com cancro. Ainda assim, o humanismo estava lá, nos quartos, um bocadinho camuflado por gestos repetitivos, essenciais - no cuidado a medir uma febre, a dar uma injeção, a fazer um exame. Nas palavras que diziam baixinho. Nós, os voluntários, fazíamos o nosso papel - a brincadeira, os abraços (com cuidado por causa dos catéteres), os risos, a partilha, as conversas, os jogos - movíamos mundos e fundos para deixar aquelas crianças mais felizes. Depois apareciam os dias maus - os dias em que morria uma criança, em que se ouviam os gritos dos pais, o desespero dos familiares, em que se via a tristeza nos olhos de toda a equipa médica. A nossa tristeza também. Oito meses depois, saí. Emocionalmente foi uma experiência muito forte, foi difícil digerir tudo aquilo e separar as águas.

Durante este ano o meu pai teve cancro. Soubemos no dia de Reis - seis de Janeiro - e dia vinte e quatro estava a ser operado. Acho que ainda não consigo descrever o que senti - a ansiedade, a angústia, a incerteza - acho que ainda não sei bem explicar como todos juntos ultrapassámos aqueles dois primeiros meses do ano. Sei que admiro ainda mais o meu pai pela sua resistência e por nunca ter baixado os braços apesar de todos sabermos o que lhe ia na alma. E custa tanto uma pessoa despedir-se quando vai entrar no bloco de operações... Durante os dias que se seguiram  todos os médicos e enfermeiros foram incansáveis. Lembro-me tão bem de uma das enfermeiras sair do bloco de operações, completamente extenuada, com a cara transpirada, só para nos dizer que estava tudo a correr bem... E do cirurgião que no fim da operação me respondeu com paciência a todas as perguntas e nos acalmou...

Este texto não é uma carta. É apenas um texto e uma forma de agradecer a todos os enfermeiros e médicos que todos os dias estão ali para as pessoas e as tratam com humanismo e sensibilidade, rigor, disponibilidade e profissionalismo. Obrigada.

1 comentário:

  1. Sou Enfermeira e trabalho numa unidade de demência. Há dias que custa, mas há outros que me fazem esquecer tudo o resto.
    Gostei do texto :)

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